>> BOCA LIVRE: Brasília-DF, 10 de julho de 2021.LUA A PINOMarcos Fabrício Lopes da Silva*Aplicada a textos, à medida que se liberta da tutela normativa exercida pelas antigas disciplinas literárias gramática, retórica e poética , a crítica se desregulamenta. Prevalecendo o livre exame e pois o relativismo de julgamentos, tende a aproximar-se de uma nova ramificação da filosofia emergente no século XVIII, a estética. Dela absorve em especial a noção de gosto. Fortalecida na centúria iluminista, a crítica literária desdobra-se no século XIX, como exercício acadêmico e estudo científico. Continua a discussão filosófica acerca de questões como gosto, sensibilidade, beleza, agora acompanhada de uma ciência da crítica, com aparato conceitual próprio apto a propor explicações causais para o fenômeno literário.Cientificamente, o crítico deve priorizar raciocínios necessários diante de raciocínios preferíveis. Nada há menos semelhante que a análise dum poema no intuito de o achar bom ou mau, tarefa quase judicial e comunicação confidencial que se resume em muitas perífrases, em dar sentenças e confessar preferências, e a análise desse mesmo poema com o intuito de encontrar indicações estéticas, psicológicas e sociológicas, trabalho de ciência pura, em que o autor se dedica a extrair causas dos fatos, leis dos fenômenos, estudando tudo sem parcialidade e sem predileções argumenta Émile Hennequin (1859-1888), em seu livro A crítica científica (1888). Segundo o crítico francês, a arte literária é um conjunto de frases escritas ou faladas, com o fim de produzir, na alma dos leitores ou ouvintes, uma emoção especial, a emoção estética.Em Lua a pino (2021), livro poético de Pietro Costa, a beleza, ou o sentimento, origina-se nos domínios do sensível, esse vasto reino sobre o qual se assenta a existência de todos nós humanos. No entanto, na ausência de um saber sensível e de uma formação estética, pode tornar-se limitada a percepção do sujeito diante de seu entorno. Tendo em vista que a literatura é arte, faz-se necessário observar que o texto literário possui uma função estética. Ao contrário de uma função utilitária, que reduz a obra aos pretextos, a função estética amplia os nossos sentidos e permite a contemplação da obra pelas vias artísticas:A poesia definitiva/Ou indefinível/A vida como ela é/Sem retoques/Filtros de cor/Brilhos/Vinhetas/Que fica/À espreita/Do observador/Da cena/É a matéria criativa, vagueando com autonomia:/Em calçadas, parques, favelas/Matas, bosques, vielas/Comunidades, palácios, avenidas/Condomínios, aldeias, ilhas/Teatros, praças, pontes,/Planaltos, mares, montes/Cerrados, sítios, sertões/Pradarias, padarias, quintões/Quintais, rios, cordilheiras/Lagos, rochas, cachoeiras/Escadas, muros, quartos,/Janelas, portas, quadros/Na respiração dos corpos/Nos beijos suaves e fogosos/Nas crianças e seu sorriso pueril/Nos adultos de trato gentil/Na afeição romântica e impetuosa/Na relação longeva e virtuosa/Nos edifícios, cidades, pousadas/Não possui residência fixada/Perambula, como andarilha/Na sua própria cinestesia.../Nua, não veste nada/Somente um arranjo de véu e grinalda! (Bodas da poesia).Não compete à literatura apenas descrever a realidade tal como ela se apresenta, seguindo critérios de base documental e registro histórico. Gosto estético, conhecimento lógico e princípios morais a postos, Pietro Costa sugere ricas percepções para celebrar a literatura como matéria criativa, vagueando com autonomia. Seu fazer poético está relacionado com a transfiguração inventiva da vida. Dedicar as melhores palavras ao que pensamos e sentimos passa pelo exercício literário de oferecer ao público associações inusitadas que ampliam o nosso repertório de existência individual e social.Entrelaçando as instâncias explícitas e implícitas da linguagem, a poesia nua, não veste nada/Somente um arranjo de véu e grinalda!. O acessório, portanto, ressalta a graça do essencial. Beleza em movimento, podemos assim dizer. No embalo das flores oferecidas por Pietro Costa: Florinterpreta celulites, estrias, no autoamor que triunfa/Florirradia jovialidade, sapiência, é a beleza que avulta (Flor e Raiz). Enquanto dissemina-se uma cultura centrada no epidérmico, na qual há mais estética que ética, a ética vem de dentro iluminada pela razão e fomentada pela prática das virtudes.Não por acaso, Italo Calvino (1923-1985), em Seis propostas para o próximo milênio (1988), expressa que o grande desafio para a literatura é o de saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo. Diante disso, compreendemos a importância da literatura no processo do desenvolvimento do ser. O livro de Pietro Costa é, em sua essência, uma invenção com valor. Sim, o amor se acha nas dessemelhanças (Eros e Anteros) adverte, com sabedoria, o autor de Lua a pino. A graça vital se faz então requisitada na expressão legítima da alteridade. Pietro Costa problematiza a questão em Outrofobia:Encontros?/Solidão compartilhada/Lares?/Campos de batalha/Posturas geniosas/Verve autoritária/Nos ombros alheios/Uma ominosa carga/Nos dedos postos em riste/Holocaustos da indiferença/Névoas carregadas de chistes/Olhos trovejando incertezas/O paciente zero da pandemia/O ensejo do caos e desditas/Sempre na outra ponta/Fora das divisas do espelho/Os erros de maior monta. Há um desequilíbrio sistêmico que tenta nos reduzir a seres extrofiados, revirados para fora, estranhos a nós próprios, como lamentava Kierkegaard (1813-1855), pois nossa autoestima passa a depender do que vem de fora da gula e da antropofagia visual aos arremedos de fama, fortuna e poder. Não é em vão que os orientais chamam o centro energético do nosso ser, lá onde se situa o coração, de plexo solar. Como noites com sol, somos celebrados em Lua a pino, de Pietro Costa.* Professor nas Faculdades Promove de Sete Lagoas (2005-2009), Fortium (2013) e JK (2013-2020). Jornalista, formado pelo UniCEUB. Poeta. Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG.