Neste 5º volume de seus saborosos relatos, Fernando Moura Vieira brinda-nos mais uma vez com seus inspirados textos, em relatos de sua infância pelas ruas e avenidas de Campinas, um dos bairros mais antigos e tradicionais de Goiânia, onde viveu boa parte de sua vida, contando-nos histórias de suas andanças pelo bairro, brincadeiras, jogos, festas, em companhia de seus amigos e companheiros de aventuras, e dessas passagens traz-nos belas reflexões sobre essa aventura chamada Vida, da qual os escritores conseguem extrair inusitadas abordagens, transformando simples casos em fonte de inspiração profícua e que fazem com que os leitores quase visualizem os personagens que surgem nessas crônicas e no poema que abre o livro -, extraídos da própria vida real, mas com um quê de magia, em homenagens aos velhos amigos e companheiros de suas aventuras pelas antigas ruas, avenidas, bosques e locais bucólicos, personagens estes que certamente se sentirão felizes ao lerem este livro de histórias e memórias sobre a popular Campininha, como era conhecida até pouco tempo...Os textos reflexivos ou bucólicos de Fernando certamente trarão ótimas memórias da infância de boa parte de seus leitores, e particularmente aos que passaram a infância e adolescência em traquinagens com seus amigos, pelas ruas de Goiânia - e particularmente de Campinas -provavelmente muito semelhantes às nossas próprias reminiscências daqueles tempos onde não havia essa oferta abundante de tecnologia que hoje existe, trazendo às crianças e adolescentes muitos amigos virtuais em quem jamais darão um simples abraço, ou participarão juntos de inúmeras aventuras e jogos bucólicos, tão diferentes dessas aventuras virtuais em que as atuais crianças e adolescentes passam boa parte do seu tempo, em companhia de seus celulares e jogos eletrônicos, vendo os amigos virtuais à distância, através das telas que não transmitem abraços...O primeiro texto de CALÇA CURTA II é um bucólico poema em forma de soneto sobre a infância, INESQUECÍVEL INFÂNCIA, dando-nos uma saborosa prévia sobre as histórias que se seguirão:Ah! Minha infância! Das cãs atuais, a essência!Pois a vida, em suas primícias da aurora,É viva, febril, inocente e canora!Em NA RODA DA CIRANDA, uma inspirada narração da brincadeira de ciranda, leva-nos a refletir: será que em algum lugar do planeta ainda existe essa brincadeira?Inebriante! Doces noites enluaradas!De mãos dadas, as vozes infantis, num coro, elevavam as preces musicais aos céus. A roda girava. O próprio tempo, deslumbrado, parava para observar a magia encantada que a inocência infantil criava. Não havia nada mais belo, mais lúdico do que aquilo.Em DOS USOS E COSTUMES, mais um bucólico relato:Arrebatada por contentamento,Estalou os dedos de felicidade,Recolhendo o objeto da disputa ao seio;Fazendo-o, emitiu sugestivo suspiro de futura realização.Ante a minha fingida insistência, negou-se, cortês,A revelar-me o desejo, embora o soubesse tão meu.Revelado não se concretizaria.E acreditávamos, piamente,Na realização das intenções dali imaginadas.Em A DOIS DERAM, mais um saboroso relato de traquinagens infantis, celebrando o achado de um vale para entrar de graça no cinema, junto a um dos companheiros de infância:Quem teria colocado aquele salvo conduto ali, em perfeito estado, à nossa disposição? Por acaso, seria um figurão ou um bêbado qualquer frequentadores daqueles bordéis que teria perdido a dita entrada permanente? Quem se interessaria em fazer uma brincadeira de tão bom gosto conosco? Com tantas perguntas a responder, confesso que, no momento, não me dei conta do intrigante acontecimento. Tampouco ousamos especular sobre ele.Em OLHO DE BOI, uma doce reminiscência sobre um dia de chuva que o obrigou a ficar em casa, cheio de tédio, num texto que me lembrou minha própria infância, onde vivia cercado de meus gibis do Fantasma, Flash Gordon, Mandrake, Tarzan e outros tantos personagens que me ensinaram a soltar as asas da minha imaginação, em incontáveis milhares de versos já publicados:O que nos sobra fazer, além de ler os Campeões do Oeste, os Fantasmas, os Tarzans e todos os gibis disponíveis? Lê-los mais uma vez, relê-los, treslê-los e pronto?!!! Existe, no entanto, um pequeno consolo após isso: sentar na soleira da porta e observar - com o juízo distante - aquele rio de enxurrada em plena Maranhão. (A água em boa hora lavava-nos a memória, clareando-a, livrando-nos, em compensação, também do tédio).Em CABEÇA RASPADA, URUBU CAMARADA..., uma antiga fotografia relembra Fernando de uma traquinagem que lhe rendeu o castigo de ter a cabeça raspada, para não se esquecer da travessura:Mal havíamos nos acomodado em seus frondosos galhos, surgiu à nossa vista - surpreendendo-nos -, uma das lavadeiras do Toquinho. Antecipava, a infeliz, a vinda dos meninos. Bacia à cabeça amparava ainda, com dificuldade, incômodo balde com as peças lavadas; a passos trôpegos, subia arfando a pequena ladeira, movida por arquejante esforço. Infelizmente, deu no que deu, e não tivemos a grandeza de correr para avisá-la, tampouco acudi-la no chão.Em ÁLBUM DE FIGURINHAS, Fernando conta-nos uma história sobre troca de figurinhas com os amigos, todos tentando completar ser álbuns:A princípio, um pequeno borrão denunciou a (figurinha) carimbada que, desde então, exporia mais intensamente a minha sofrida emoção. Seria a joia da coroa, a difícil da lambreta? Ou estaria ali o guidom da bicicleta? Ou, ainda, na pior das hipóteses, o centro da bola que nos faltava?Em FINCA e em O BETE, Fernando conta-nos em detalhes em que consistiam essas brincadeiras infantis, tão comuns em nossa infância, e que hoje não passam de velhas brincadeiras que perderam a graça, diante da imensa sofisticação dos jogos eletrônicos:Um risco reto fora feito no chão, e cada um, obedecendo à maneira estilo (segurando a finca pela ponta), mirou e atirou de modo a que ela cravasse o mais perto possível do risco do ponto. Fui intermediário; Juvenal cravou-a rente; seria o primeiro ante a imperícia de Jeze, nosso companheiro, que cravou um dedo pelo lado de fora da minha marca. Em consequência, o terceiro.O jogo do bete, que essencialmente se parece com o baseball, consiste em 4 elementos: 2 rebatedores e 2 atiradores. Dois círculos são inscritos no chão (raio +/- 60 cm), com armações triangulares de gravetos ou latinhas, no centro. A ação do jogo determina a escolha das funções de atiradores e rebatedores, acontecendo a primazia ser desses últimos. Após, os rebatedores se posicionam com seus betes em frente às casinhas, protegendo-as, e os atiradores atrás, com a missão de arremessarem a bolinha rasteiramente, visando derrubar a casinha distante e assim assumirem a primazia de rebatedores.Em A ESTREIA DO OTILINHO NO INTERIOR, Fernando conta-nos sobre uma pelada do time de futebol do qual participava, no interior do Estado, em que estreava no time um centro-avante com esse apelido:Ele tinha o atrevimento de rasgar as grandes defesas. Dotado de músculos rijos e desenvolvidos que só Maurício, um de nossos atletas, os teria posteriormente no Atlético Goianiense , ganhava no arranque e investia, não só pelo meio, área natural de sua atuação, mas, de surpresa, sempre irrompia pelos lados.Em BOLINHA DE GUDE, Fernando aborda um outro jogo infantil que era bastante comum à época, e hoje igualmente abandonado:O garoto que se aproximava, soberbo ajeitou as tiras dos suspensórios de pano que mantinha a calça, cujos bolsos estufados deixavam à mostra as pequenas bolas de vidro. Abaixou-se, em seguida, depositando no chão uma grande lata de bolinhas que também trazia à guisa de troféu. Reconheci algumas.Em OS PIÕES DO HÉLIO PALITO, o assunto é um outro antigo jogo infantil abandonado pelas crianças de hoje: o pião (ou piorra, que era um pião pequeno), que é um artefato com ponta de metal, e as crianças duelavam para ver qual pião era o mais forte:Aparentemente não trazia nenhuma de suas novidades, pois era do seu feitio aparecer com elas. O que dizer de seus piões coloridos que, ao girarem, transformavam os tons numa visão extremamente chamativa? Ou daqueles perfurados por ferros incandescentes que emitiam sons inauditos?Em O GÂNGSTER MIRIM, apresenta-nos um novo e curioso personagem, o Anielson, que era mau por natureza, mas capaz de gestos de bondade:Debruçado no balcão do tempo, ocorreu-me repassar as faces daquelas velhas e simpáticas amizades e daquelas que nem tanto. Num desses relances fisionômicos, dei-me conta do Anielson. Anielson era aquele a quem diziam ser capaz de estuprar as meninas de seus olhos e ainda se divertir com o que restasse das pupilas!Mau, tremendamente mau, desde pequeno insinuara-se ser um daqueles grandes gângsters dos filmes, conduzindo os colegas menores nas brigas de quadrilha que ele frequentemente arrumava.Em SÓCIOS DE BRIGAS, somos apresentados a uma estranha brincadeira daqueles tempos, as brigas arranjadas, onde dois dos meninos tiravam no braço suas diferenças pessoais, assistidos por uma plateia que também servia de torcida:Cara a cara, braços e punhos cerrados protegem as caras enfurecidas, quando feições, ferreamente amarradas numa encarada desafiadora, pressagiam a se atracarem. Tudo em volta conspira e atiça os dois oponentes, contudo, a rixa para se desencadear depende de certa atitude. Trocam, entre eles, seguidas provocações, sem, no entanto, avançarem no enfrentamento. A faixa entre eles representa um divisor de honra entre os dois. Quem a riscou tem-na por intocável pelo adversário que, por sua vez, a vê como um desafio da própria coragem; danificá-la seria desmoralizar acintosamente o próprio oponente.Em UM BANHO NO ANICUNS, o leitor é apresentado a outras das brincadeiras infantis daquela época: tomar banho, em grupo, em algum riacho das redondezas, aprontando a maior algazarra:O segundo poço ficava na curva acima, aproximados cem metros, em meio ao terreno arenoso de capim baixo; sobre ele, estirada, outra árvore morta que caíra por sobre a água, tendo os galhos já secos da fronde fixados na margem oposta. Um desafio corria por ali: mergulhar levando no pensamento a ansiedade de passar sob aquele tronco, arrastando a barriga na areia do leito e, acima de si, sentir a rusticidade da madeira pressionando as costas!Em OS ABACAXIS DA MAUÁ, mais uma brincadeira das crianças desse tempo perdido no passado é apresentado ao leitor: roubar abacaxis pérola no quintal de um vizinho:Filar frutas pelos quintais não passava de divertimento, exercício de audácia e traquinagem, nunca um roubo propriamente, desde que não passasse disso.Entendíamos os frutos, bênçãos da natureza, constituindo bens comuns, um comunismo imaginado e praticado, relevados os ônus da produção.Os abacaxis da Mauá eram especiais, já os provara: pérolas legítimos de casca roxa; descascados, exibiam a massa amarelada pálida minando abundante caldo doce, tornando-os distintamente apreciáveis.Valiam a pena!E, em ALÉM DA DOR E DO SOFRIMENTO HUMANOS, um dos textos mais tocantes do livro, uma vaca resiste bravamente aos peões que querem levá-la para o matadouro, com um final arrebatador:A velha Maranhão - em seu plano esburacado e poeirento , não me mostrou apenas o sofrimento humano; vi-o também - digo até com maior pesar e injustificada ação - nos olhos súplices e tristes de outros animais, tal o contido nas lágrimas que corriam dos olhos daquela pobre e indefesa criatura prestes a parir e, covardemente, levada para o abate.